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sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Prólogo do meu primeiro livro



Impregnados de ganância, altos edifícios de uma metrópole respiram, em meio ao caos urbano.
A tarde está absurdamente quente, tórrida. E na grande e desconhecida cidade, as pessoas andam de um lado para outro, atarefadas, suadas e completamente alheias a acontecimentos que não dizem respeito às suas próprias vidas, totalmente distraídas em seus pensamentos, problemas de ordem pessoal e afazeres.
Numa esquina qualquer, um mendigo irritado com a temperatura, olha o mormaço subindo asfalto acima e pensa maliciosamente que seria bem fácil fritar um ovo naquele chão, tamanho o calor que aquela tarde emana.
Nas avenidas onde o tórrido asfalto impera, o trânsito dá a imagem e os tons perfeitos à desordem reinante na metrópole. Pedestres desviam a todo o momento de inúmeras bancas de vendedores ambulantes, que roubam, enfeiam e incomodam impunemente o espaço público da cidade. Há ainda, para o total desgosto dos transeuntes na tarde infernal, um grande número de carros buzinando diante de um semáforo, possivelmente danificado e por isso demorando a dar passagem aos veículos. Fumaça, de cor negra, um sinal visível de poluição atmosférica das grandes cidades, não tarda a se manifestar no tráfego, tornando o ar do lugar ainda mais quente e irrespirável. Os motores esbravejam nervosos, esperando ansiosamente pelo salvador sinal de partida do semáforo.
Entretanto, a alguns poucos metros deste mesmo cruzamento, no interior de um dos edifícios daquela caótica selva de pedra, uma estranha figura destoa completamente do quadro pintado naquela tarde. Alheia a tudo e todos, ela sobe, com visível dificuldade, as desertas e mal conservadas escadarias do imenso arranha-céu, aparentemente com uma certa pressa em chegar ao seu destino.
Se alguma das pessoas circulando ao redor ao menos se importasse em prestar atenção ou até mesmo em analisar detalhadamente tal figura, acharia completamente absurda e insana a forma como a mesma estava trajada naquele momento: Ele (ou ela) vestia uma majestosa e pesada túnica de veludo vermelho, do tipo que monges confinados em frios e escuros conventos usam em suas vidas de religião e reclusão.
Uma vestimenta nada adequada para aquela tarde. E por conta dela, era realmente difícil definir se tal criatura era um homem ou uma mulher, porque seu rosto estava completamente incógnito pelo capuz. Tinha a estatura mediana e assemelhava-se a uma espécie de monge medieval, deslocado em meio à modernidade contrastante.
Estaria o indivíduo querendo lançar alguma nova moda absurda? Haveria por ali, em pleno desenvolvimento, alguma espécie de campanha publicitária ou até mesmo um programa de TV com câmeras ocultas em algum lugar, às voltas com uma pauta temática sobre as formas como as pessoas não devem se vestir em dias de alta temperatura? Possivelmente não, pois ninguém, absolutamente pessoa alguma parecia notar o estranho personagem ali nas escadarias.
Fartas e generosas manchas de suor encharcavam sua estranha vestimenta. E alheio a esse incômodo, ele continuava vencendo vagarosamente os incontáveis degraus que galgava. Que tipo de penitência estaria por trás de tamanho sacrifício?
Sim, definitivamente era um sacrifício. Embora fossem completamente imperceptíveis a qualquer um que resolvesse observar naquele momento o ser misterioso que subia as escadas, ele estava envolto nas mais terríveis e torturantes sensações e alucinações: espíritos de pessoas mortas, de origens desconhecidas, o atormentavam e por ele passavam. Elas também seguiam naquelas escadas, mas em sentido oposto ao do penitente. As almas penadas desciam os degraus rumo ao desconhecido, também mergulhadas no mais terrível sofrimento. Elas tinham a aura cinzenta, olhos da cor da noite mais escura e choravam sangue!
E como se as visões macabras de pessoas mortas ainda não lhe fossem suficientes, o monge sentia naquele momento em suas costas, a dor de mil açoites a castigá-lo. E incapaz de suportar essa dor em alguns momentos, parava ou caía pateticamente nos degraus.
Mas não desistia daquele calvário.
Não se sabe ao certo quanto tempo foi gasto naquele terrível trajeto, mas o indivíduo, mesmo agitado, trêmulo e cambaleante, terminou de galgar os numerosos degraus daquela enorme construção especulando para si mesmo que provavelmente três quartos de hora já haviam se passado desde que ele tinha pisado no primeiro degrau, já bem longínquo.
Este tempo lhe havia sido uma verdadeira eternidade. As marcas de seu sofrimento já eram visíveis pois sua túnica já não exibia apenas vestígios de suor. Agora, haviam manchas de sangue, que brotavam de várias partes de suas vestes monásticas. E sua respiração estava ofegante, entrecortada.
Parando finalmente no último degrau, já na cobertura, inspirou profundamente o ar, abastecendo novamente seus pulmões. Aspirou e expirou o ar repetidas vezes até sentir-se mais seguro e mais dono de suas capacidades físicas para prosseguir em seu cortejo macabro. O que ele (ou ela) fazia ali, afinal?
De joelhos, arfando e expelindo grunhidos indecifráveis, contemplou alguns minutos a paisagem ao redor, que naquele momento já se encontrava banhada pela luz do crepúsculo. E então, aconteceu o imprevisível...
Sem demorar-se nem mais um segundo, ele aproximou-se ameaçadoramente do beiral do prédio, para finalmente mergulhar no espaço livre.
Simultaneamente, um pouco ao longe, os sinos de uma catedral ecoaram dezoito horas em ponto. E em uma mesquita também próxima, um muezim em seu minarete, começava a convocar os fiéis para uma oração.
A voz solene do religioso muçulmano, que observava o encapuzado, deu lugar a um estridente grito de horror e de desespero que nem os retumbantes carrilhões do templo cristão conseguiram ocultar. Assustadas com o acontecido, muitas pessoas finalmente já olhavam o suicida em seus possíveis instantes finais.
Ele caía livremente no espaço. Fatalmente, não iria sobreviver a uma queda daquelas alturas.
E o que poderia ter sido um fim trágico, acabou tornando-se o início de algo completamente estranho, incomum e inexplicável. Para a (possível) frustração e espanto do suicida, o mesmo havia congelado em pleno ar, um pouco antes de atingir o chão, bem no meio do trajeto. Imediatamente, ele começou a levitar pelos ares para ser arremessado, logo em seguida, de volta ao prédio.
Nas ruas da cidade, abaixo, instalou-se o caos. Várias pessoas presenciaram o evento, especulando o que seria aquilo e uma boa parte delas, amedrontada, começou a se afastar dali. Algumas tiveram a nítida impressão de que violentas rajadas de vento sacudiam convulsivamente o corpo daquela pessoa enquanto ele tinha caía.
De repente, sem qualquer explicação, outdoors, placas de casas comerciais, prédios, casas, ruas começaram a trepidar sob a ação de um violento tremor de terras. Galhos de árvores balançavam com fúria e todas as pessoas corriam, desesperadas, em busca de abrigo. Uma ventania estranha também surgiu do nada, espantando de vez o calor.
Nuvens pesadas de tempestade formaram-se no céu quase que instantaneamente. O fornecimento de energia elétrica foi subitamente interrompido quando postes de energia começaram a cair nas ruas e em cima dos carros e das pessoas. Valas enormes começaram a rasgar o solo, carregando para dentro de si muitos transeuntes. Outros, feito baratas tontas quando recebem uma rajada mortal de inseticida, tentavam fugir sem êxito.
O que poderia estar por trás destes eventos? O fim do mundo estava chegando, sem aviso prévio?
No alto do prédio o frustrado suicida observou, aparentemente indiferente, todos aqueles fenômenos repentinos. Como ainda não tinha se dado por vencido, enfrentou corajosamente as rajadas fortíssimas de vento que o repeliam cada vez mais para longe do patamar da edificação em que estava e conseguiu impulsionar-se mais uma vez no parapeito para logo em seguida, jogar-se mais uma vez ao ar livre.
Mas desta vez não foi arremessado para trás. Como se estivesse preso a fios de cordas invisíveis, ele ficou completamente suspenso no ar, feito uma marionete.
Embaixo, as poucas pessoas que ainda o observavam entraram ainda mais em pânico ao ver tal cena. Muitas gritavam de pavor, alardeando que aquilo provavelmente era coisa do demônio.
A nova e infrutífera tentativa de suicídio por parte do encapuzado serviu para finalmente revelar o que tanto o impedia de pôr fim à própria vida: em meio a uma imensa e repentina explosão de luz e chamas, que espalhou ondas de destruição por toda a cidade, ateando-lhe chamas infernais, surgiu, pairado no ar, em meio ao céu negro e nebuloso, um monstruoso, gigantesco e aterrador OLHO, de feições reptilianas, que cobria todo o lugar e o encarava diretamente.
Aquilo seria real?
Raios começaram a faiscar no céu e trovões ensurdecedores anunciaram a má nova. E o que veio logo em seguida desafiou completamente o bom senso e a sanidade de todas as pessoas da cidade que ainda permaneciam vivas: uma tempestade de sangue começou a cair, grossa, viscosa, provocando chiados ao entrar em contato com as vivas chamas que assolavam aquela maldita cidade.
Sim, caía farto e abundante do céu escuro, empapando o rosto e as roupas das pessoas, que histericamente gritavam em pânico, completamente insanas. Para piorar tudo, um novo tremor de terras de grande magnitude veio logo em seguida, levando as poucas edificações que haviam ao redor a desmoronarem por completo.
As últimas pessoas vivas que escaparam das chamas, acabaram, sendo soterradas. O sangue delas, real e palpável, finalmente misturava-se àquele que o céu vertia sobre suas cabeças. E o que é mais irônico: o céu que um dia supostamente iria salvá-las de todo o mal.
Raios continuavam a cair sem trégua, inclusive eletrocutando pessoas. E o estranho suicida ainda tentava reunir forças para tentar escapar de seu cativeiro. E o prédio onde ele estava acabou tendo o mérito de ser o único a permanecer de pé ali. E o horrendo olho gigantesco ainda o observava, implacável e provavelmente pronto a fuzilá-lo.
Que tamanho teria aquela coisa? Quanto pesaria? Tais coisas definitivamente não tinham importância naquele momento. A íris do olho, mesmo reptiliana, era ardente como fogo e os vasos sanguíneos ao seu redor eram escarlates e injetados, terrivelmente intimidadores. O olhar era penetrante e tinha o poder de perscrutar almas. Se olhos comuns, quando nos censuram, já nos causam um desconforto imenso, o que se poderia dizer daquele enorme e monstruoso globo ocular?
Subitamente, ouviu-se uma respiração ofegante que precedeu uma voz. A voz do olho, potente, retumbante e fantasmagórica, que não falava apenas aos ouvidos do destinatário, mas que ia diretamente ao seu coração.
O encapuzado, pairado no ar, provavelmente já sabia o significado por trás de todos aqueles eventos destrutivos e teve a confirmação disso no momento em que escutou tão aterradoras palavras:

Seu destino é grandioso como as estrelas no firmamento...
Dele não há como escapar, tudo é sofrimento...
Nossos caminhos estão entrelaçados, não há como evitar...
O momento se aproxima e em breve, vamos nos encontrar.

Uma gargalhada sinistra ecoou retumbante pelos ares. De imediato, o encapuzado foi arremessado violentamente contra o prédio. Reuniu forças para se levantar, ajoelhou-se e começou a bater no próprio peito, provavelmente culpando-se de todas as desgraças que foram perpetradas ali, na grande metrópole do fim do mundo.
* * * * *
Silêncio absoluto em todas as partes. O monstro ocular há muito já havia ido. Resquícios de vida ecoavam aqui e ali. Eram gritos insuportáveis de dor e desespero, vindos dos poucos sobreviventes daquele apocalipse.
A cidade continuava encharcada de sangue e seus prédios, casas e ruas agora eram patéticos monturos de entulho, sangue coagulado e cinzas. Os sinos da catedral haviam sido calados, o muezim com certeza aniquilado, junto com sua mesquita e um miasma de podridão e enxofre exalava por todos os lados, sufocando os que ainda se atreviam a respirar e viver. Se algum dia havia existido a esperança naquele lugar, ela tinha evaporado, como uma gota de água no oceano, para nunca mais voltar.
E foi nesse momento de completa ausência de fé que sucede algumas grandes tragédias que o misterioso ser finalmente retirou o capuz de sua cabeça, revelando finalmente ao mundo a sua face.
* * * * *
Instantes depois, o jovem palestino Amin Khalil Nadaf acordava sobressaltado em sua cama, em meio a incontroláveis soluços de horror. De seus olhos mortiços, fartas lágrimas de sangue escorriam rosto abaixo, manchando abundantemente os humildes lençóis em que ele dormia quando estava em casa.
Naquele sonho ruim, ele era a pessoa por trás capuz.

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