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quinta-feira, 14 de abril de 2011

Poesia (XIII)


Traduzir-se

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo. 

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão. 

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira. 

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta. 

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente. 

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem. 

Traduzir uma parte
na outra parte
 que é uma questão
de vida ou morte 
será arte?


 [Ferreira Gullar. Poesia retirada do livro Na Vertigem do Dia, 1980]

Um comentário:

  1. Marcelo, amo FG. Amo esse poema. O eu-lírico se vê divido entre dois opostos (sou isso, mas tb sou aquilo, o meu contrário!)
    Cecília tem um poema que diz "OU isto, OU aquilo", em que o sujeito se alterna e assume uma posição negando a outra. Gular, não! Ele constrói um sujeito que é ao mesmo tempo possuidor de forças e características antagônicas. Bem humano, não é?

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