Traduzir-se
Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.
Traduzir uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?
[Ferreira Gullar. Poesia retirada do livro Na Vertigem do Dia, 1980]
Marcelo, amo FG. Amo esse poema. O eu-lírico se vê divido entre dois opostos (sou isso, mas tb sou aquilo, o meu contrário!)
ResponderExcluirCecília tem um poema que diz "OU isto, OU aquilo", em que o sujeito se alterna e assume uma posição negando a outra. Gular, não! Ele constrói um sujeito que é ao mesmo tempo possuidor de forças e características antagônicas. Bem humano, não é?