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sábado, 16 de outubro de 2010

Minha vida de leitor (III)


Olá, você que está chegando apenas hoje ao blog! Bem-vindo!

É novo por aqui? Deixa eu te contar algo, então.

“Minha vida de leitor”, como os leitores veteranos do Pérolas já sabem, é uma série de posts, de periodicidade mensal, onde eu narro um pouco da minha vida e de meus hábitos de leitor desde a mais tenra infância. E hoje, considerando que este blog está em seu terceiro mês de vida, estamos entrando no post nº 3. Ô vida!

Sei que aparentemente a minha não pode ser a mais interessante do mundo, mas ao criar este blog quis compartilhar um pouco das minhas experiências pessoais com meus leitores. Não queria simplesmente uma coisa mecânica e impessoal, mas sim dar um pouco de calor humano ao projeto. Por isso, caso minha trajetória lhe interesse, procure pelos demais aí entre os marcadores.

Hoje falarei sobre uma parte muito gostosa da minha vida: os primeiros anos de escola e minha relação com a leitura. E sobre isso tenho muito o que contar e compartilhar. Se preparem que nem tudo foram rosas nesse período.

Já disse isso nos dois primeiros posts e volto a repetir neste, esperando finalmente parar por aqui desta vez: sempre tive a nítida impressão de que aprendi a ler só ou que nasci com este dom. Mas, alheio às especulações dos outros, eu lia apenas para mim mesmo, uma coisa própria de meu mundinho particular de criança introvertida e cheia de imaginação. Ler em alto e bom som para quem quisesse escutar mesmo, só aconteceu aos sete anos, quando finalmente fui considerado "alfabetizado".

Foi em 1981 o ano oficial em que sentei num banco de escola de 1º Grau (atual Ensino Fundamental) e onde iniciei a primeira série. E era nela em que as crianças eram alfabetizadas. Não existiam classes de alfabetização em si, apenas classes de pré-escolar que eram geralmente em pouquíssimas creches ou em escolas particulares, como a Mickey Mouse, onde estudei e mencionei no post anterior de “Minha vida de leitor”.

Gostava muito de ler, mas odiava escrever. Aliás, odiar é uma palavra muito pesada. Eu simplesmente não tinha a menor vontade de fazê-lo. Só queria ler. Ou então desenhar.

Mas vamos falar sobre um pouco como era a rotina escolar daquele tempo, para que vocês entendam melhor a minha relação com a leitura. Nos anos de 1980, o método utilizado para alfabetizar as crianças era o velho e bom “Caminho Suave”, da Branca Alves de Lima, o mais tradicional em boa parte do Brasil e que vinha sendo utilizado nação afora desde o final dos anos 40, quando foi idealizado pela sua autora.

Esse método teve um alcance tão longo que é praticamente muito difícil encontrar uma pessoa adulta na faixa dos 30 anos de idade que não saiba que o A é da abelha, o E é do elefante, o I é da Igreja, o O é do ovo e o U é da unha. Hehehe! Segundo estimativas, 1/3 dos brasileiros foram alfabetizados pelo método até o ano em que Branca Alves de Lima morreu, aos 90 anos de idade. Isto em 2000.

Mas, voltando a mim, o meu negócio era realmente só ler, dentro das dependências da minha escola, que se chamava Nathália Uchôa. Porém, tendo apenas com a cartilha Caminho Suave o tempo inteiro em mãos não dava pé, não é? Eu vivia ávido por novas coisas e por conta disso o desinteresse em estudar se acentuou de uma forma tão assustadora que professora e meus pais começaram a especular se eu não tinha algum problema neurológico, pois eu chegava na escola e só queria saber de brincar, ficar olhando figuras de gibis ou então desenhar ou fazer pinturas fora de hora.

De fato, eu tinha um problema. Aos quatro fui diagnosticado com disritmia cerebral do tipo retrógada e desde essa idade eu já vinha tomando remédios controlados e fazendo os tratamentos de praxe, como mensalmente ir ao neurologista munido de um eletroencefalograma que tinha de fazer a cada dois meses. Aliás, esses meus “passeios” ao médico nunca me foram desagradáveis porque eram momentos gostosos onde, muitas das vezes, participavam apenas eu e minha mãe. E neles, eu sempre acabava com um gibi nas mãos, coisa que eu já confessei adorar por aqui.

Preocupada com meu desempenho e talvez desprovida de experiências com crianças excêntricas, a professora chamou meus pais e sugeriu que eu fosse para outra turma, devido a meu comportamento e provavelmente ao meu diagnóstico de disritmia. E eles concordaram sem pestanejar. O problema é que essa turma era a famigerada “sala especial” das escolas públicas dos anos 80. O local para onde iam os que tinham dificuldades de aprendizagem ou alguma espécie de retardo mental. Literalmente, eu pirei


Mas a questão é que eu só queria saber de ler, porém não expressava isso com clareza para as professoras, provavelmente por conta da minha timidez que naquela época era avassaladora. E minhas professoras (Dona Elza, a que me baniu e Dona Raimunda, a que me recebeu depois na outra turma) achavam que eu pegava livro apenas para fazer charme.


A rotina na sala especial era muito estranha. Ninguém lia ou escrevia, mas trabalhos manuais eram feitos à exaustão por lá. Odiava. E os alunos da sala mesmo, os originalmente matriculados, além de estranhos (muitos realmente com sérios problemas de retardo) eram às vezes propensos à agressividade, quando contrariados. E usando de astúcia e às vezes de medo justificado, eu fugia da sala, na maior parte das vezes e ficava vagando pelo pátio ou pelo corredor. Quando calhava de eu levar um gibi escondido na bolsa, ia lê-lo na tranqüilidade do pátio. E esse meu hábito não passou despercebido a uma pessoa, a Dona Iracy, a vice-diretora da escola, que a partir de então me resgatou da sala especial e me levava para a sala dela, onde me enchia de livros para ler. Livros infantis, como O menino maluquinho, outros de contos de fada. E foi ela que meu deu de presente o primeiro deles, que guardo até hoje: As aventuras do avião vermelho, de Erico Veríssimo.

Creio piamente que ela acreditava que eu lesse de verdade, tamanha era a minha concentração nessas horas. Só não o fazia em voz alta, frustrando ainda mais a minha professora que, de vez em quando entrava na sala, balançava a cabeça e saía, sem sequer dar um pio em minha direção.

Vieram as férias e os alunos da 1ª série mais adiantados deixaram a cartilha e passaram para o 1º Livro de Leitura do Caminho Suave. Mas essa transição foi bem rígida. Só os que foram mais aplicados nas leituras e exercícios escritos da cartilha é que receberiam o livro. Claro que eu resolvi burlar essa burocracia toda.

No dia do recebimento do livro eu me enchi de coragem e pedi um à professora, que disse: “você não sabe ler”. E eu respondi: “sei sim”.

“Prove”, disse ela. E alta e claramente para a toda turma eu li o primeiro texto do livro deixando a professora boquiaberta. Tão boquiaberta que os olhos esbugalharam (jamais esqueci a expressão dela). Nem preciso dizer que ela deu um jeito de telefonar correndo para minha mãe para dar a notícia.

Não só ganhei o livro, como o levei para a casa naquele dia, ao lado dos demais alunos aplicadinhos da turma que ficaram morrendo de despeito com a minha carta na manga.

E em casa, quando comecei a ler alto, fui perceber o quanto de sofrimento e apreensão eu tinha trazido à minha família, pois minha mãe chorou muito nesse dia, ao me escutar lendo. Nunca me esqueço desse dia: ela sentada na cadeira de balanço, fazendo crochê e eu de barriga no chão, com o Caminho Suave novo aberto, feliz da vida. Cheguei a perguntar-lhe porque chorava, se estava triste, mas ela deu uma desculpa esfarrapada. Só alguns anos depois é que ela me confessou que chorou de emoção ao saber que eu, afinal, poderia não ser um caso perdido no futuro.

E na escola, depois de compreender o que se passava comigo, Dona Elza, finalmente resolveu ter um pouco mais paciência comigo, em particular, estimulando-me a escrever mais.

Passei de ano raspando, com um cabeçalho maiúsculo e minúsculo escrito de cabeça para baixo na prova final por não saber seguir direito algumas instruções (tipo margem, linhas, parágrafos, essas coisas). Foi um verdadeiro marco na minha vida escolar, confesso, mas desde ali, então, já ficou decidido que no próximo ano eu teria de freqüentar uma aula de reforço.

E foi o que aconteceu nos anos seguintes. Meu desempenho frente às professoras que tive nos anos seguintes (Edna, Tânia, Jacileide e Maria das Neves) foi bem mais profícuo, graças às aulas particulares com a velha (e não muito boazinha) Urca, que se chamava na verdade Inês, por conta de seu método nada ortodoxo onde os ‘bolos’  de palmatória eram uma constante, especialmente para um moleque como eu quando descobriu que a Matemática era o maior de meus pesadelos nos anos que se seguiram.

Nem preciso dizer que nas outras disciplinas, por conta das leituras, eu era fera, né? Hehehe! Até a próxima!

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