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segunda-feira, 9 de maio de 2011

Um conto de minha autoria (I)


Frio, sombras, música e devaneios

Playlist sugerida para acompanhar a leitura deste conto :
  1. S.O.S. / ABBA. 
  2. Sabes a Chocolate / Menudo. 
  3.  Boys / Sabrina. 
  4.  Sacrifice / Sinéad O’Connor. 
  5.  Safe From You / Frente! 
  6. Sailing / Christopher Cross. 
  7. Salvation / The Cranberries. 
  8. Same Thing in Reverse / Boy George. 
  9. Sandra Rosa Madalena / Sidney Magal. 
  10. Sangue Latino / Secos e Molhados.


Volumosas gotas de chuva caem do céu sobre a terra hoje.  Cor de cinza: solidão.

Mais uma vez saio bem cedo de casa para garantir o ‘pão nosso de cada dia’. O que não deixa de ser um tanto irônico é que estou em jejum, já que a correria do dia-a-dia não me deixa saborear sequer um café da manhã decente. Só um velho pão com margarina e um essencial gole de café preto.

A barriga ronca enquanto, desolado, observo a paisagem ao redor. Hoje, pelo menos, tive a sorte de conseguir sentar dentro do ônibus sempre lotado para o trabalho.

As ruas de São Paulo estão imersas no dilúvio de sempre. Próximo à Marginal Tietê não haveria de ser diferente. Ano após ano, promessas após promessas vindas dos políticos incapacitados e a situação não melhora. Penso seriamente que daqui a alguns anos passaremos a andar de barcos pelas ruas dessa cidade.

“O que foi a minha vida todos esses anos?” Pergunta inevitável que nos assalta em dias assim, onde achamos, por antecipação, que tudo está fadado ao fracasso pelo resto do dia. Coração em frangalhos, tento ocultar lágrimas que começam a se formar em meus olhos para saltarem, sem permissão, em meu rosto.  Melhor ligar meu MP3 e tentar me distrair, enquanto não chego à segunda condução do dia. A segunda do total de seis que pego ao dia para me locomover pela grande metrópole afogada.

Já aviso de antemão que minhas playlists costumam ser bastante exóticas. Algum observador interessado diria que meu gosto é eclético, mas prefiro dizer que sou apenas seletivo em relação às canções que ouço. Geralmente são canções que me fazem feliz, que me fazem triste (masoquismo detected) e que me trazem ótimas lembranças de momentos de alegria cada vez mais furtivos em minha existência mundana.

A primeira canção é ‘S.O.S’, do ABBA e, realmente: Salvem minha alma! Destino, seja generoso e mande-me um sueco alto, definido, loiro e bonitão, com olhos cor de céu para me carregar para bem longe daqui e que me faça dizer, a plenos pulmões que a vida vale mesmo a pena, mesmo que o mundo inteiro e a realidade insistam em me dizer não.

Já pensou se isso realmente acontecesse aqui e agora? O sueco chegando num lindo cavalo branco? Larga de ser louca, bicha, ele provavelmente correria o risco de ser arrastado pela correnteza aí fora. Sem falar que contos de fadas jamais acontecem no plano da realidade. E fico pensando qual a serventia deles afinal, se os padrões que eles nos inspiram são demasiados elevados para nossas pobres vidas.

Nova canção no player: ‘Sabes A Chocolate’, do Menudo. Ai, céus, chocolate não! Tô com fome! Sem falar que o médico me proibiu de comer chocolate em demasia por causa das minhas espinhas. Não chegam a ser um pesadelo em forma de crateras na minha face, mas Dr. Salomão disse que eu não facilitasse com a coisa. Dos males o menor.

O Menudo... Nossa, por onde andam esses caras? Ricky Martin foi bastante corajoso ao assumir sua homossexualidade em público um dia desses. Pudera: rico, bonito, independente e bem-sucedido, não tem nada a perder. Só algumas fãs homofóbicas. Quanto a mim... sem comentários, pelo menos por enquanto.

O ônibus finalmente chega à estação do Metrô. E lá vamos nós para o empurra-empurra de costume. Digo ‘nós’ não porque eu seja mais de um espírito dentro de uma pessoa só ou esteja acompanhado. É coisa de costume, sei lá.

Dentro do vagão, o alívio de conseguir lugar para sentar outra vez. Desencorajados talvez pela chuva ou por algum obstáculo de natureza aquática em seus caminhos, muitos paulistanos ficaram em casa ou então ficaram retidos em alguns cantos críticos da cidade.

No player, agora, toca ‘Boys’, de uma obscura cantora italiana ‘one hit wonder’ chamada Sabrina. Em minha mente imediatamente vem a imagem de uma mulher morena muito bela e voluptuosa dentro de uma piscina, em dia de Sol, cercada de belos rapazes por todos os lados. Ah, que inveja! Um dia de sol e o descanso na beira de uma piscina cairia muito bem agora. Quanto aos rapazes, um só me bastaria, sabe? “O” rapaz. Aquele que os contos de fada fajutos nos ensinam a ser o ideal, o único.

Até o momento só encontrei sapos disfarçados de príncipes por aí. E bem poucos, dadas as circunstâncias que envolvem a minha vida. Hoje não quero me aprofundar muito nessas questões.

‘Sacrifice’, canção famosa de Elton John na voz de Sinéad O’Connor começa a tocar exatamente quando preciso fazer o próximo “sacrifício” do dia e descer na próxima estação, para passar para outra linha de metrô. Céus, como a estação da Sé está lotada hoje, mesmo em dia de caos.

Sinéad assumiu também sua homossexualidade depois de passar pelo diabo na vida. Grande mulher. Pena que a mídia já não lhe dê tanta atenção e destaque desde que rasgou a foto do Papa João Paulo II naquele famoso programa de TV americano. Anos se passaram desde o incidente, o Papa já até morreu, mas as pessoas não esqueceram do acontecido.

Papa. Isso me lembra a desfeita que Milena me fez mês passado, não me convidando para ser padrinho de seu filho, justamente eu que sou (ou fui?) seu melhor amigo. Mas quer saber? Deixa para lá! Desde os treze anos eu não freqüento uma igreja mesmo. Nem sei mais que religião eu sigo. Só sei que acredito em Deus e nada mais.

Enquanto espero o metrô chegar, ‘Safe From You’, do Frente!, sucede ‘Sacrifice’, cantada por Sinéad. Confesso que gostei, mesmo não tendo a ouvido antes.

Olho ao redor enquanto escuto a canção. Hora de flertar, mas isso se alguém especial resolver notar que existo, que estou aqui e que nesse peito bate um coração. Mas tudo o que vejo são caras mais desanimadas que a minha ou então seriamente preocupadas ou compenetradas em seus pensamentos mais íntimos. É, não foi hoje que achei o príncipe encantado. Sabe-se lá quando será...

‘Sailing’, de Christopher Cross. Novamente a visão de um dia ensolarado retorna, mas desta vez em alto-mar e dentro de um iate. Porém as cenas, desta vez, não são nem um pouco românticas. São lascivas e involuntariamente, começo a ter uma ereção. Ops! Operação pasta de trabalho para cobrir partes expostas já!

Dez longos minutos se passam e nada do metrô. ‘Salvation’ dos Cranberries, a canção após ‘Sailing’, já está no fim e a salvação não chega. Provavelmente algum problema na linha tornou os veículos mais lentos. Ô saco!

Ponho ‘Salvation’ mais uma vez para tocar, mentalizando “salvação” repetidas vezes até que finalmente um trem chega. Embarco, aliviado. Hoje eu não posso me atrasar. É dia de festa no trabalho.

‘Same Thing in Reverse’, do Boy George começa a tocar. Música alegre, com violinos ao fundo. O sentimento de solidão que outrora me acompanhou até agora está se dissipando. Possa ser que este dia seja bom, afinal. Quanto a Boy George, quando me lembro dele, é inevitável pensar que nesta vida, beleza não é tudo, como muitas pessoas pensam. Outro dia mesmo vi uma foto recente dele e sequer lembra a figura imponente, bela, majestosa e andrógina que foi. Mas o amo pelo que é, por suas músicas e não pelo que ele foi ou deixou de ser.

O ápice da minha euforia em franca ascensão é coroada com a audição de Sandra Rosa Madalena, de Sidney Magal, outro cantor que, ao lado de Boy George, é “muso” absoluto. Como não sorrir ao lembrar das inúmeras vezes em que corria para a frente da TV na infância e tentava imitar seus passos de dança?

Chego na porta de meu trabalho com dez minutos de atraso e Sangue Latino, dos Secos e Molhados, já está em franca reprodução em meu player.  Canção curta. Logo estarei na labuta e as canções serão esquecidas. Pelo menos por algumas horas. Hora de voltar a realidade e fazer valer o sangue que corre em minhas veias. Afinal, apesar de tudo e dos pesares, existe ainda a vida.

Conto originalmente publicado no site da revista eletrônica Verbo 21
sob o pseudônimo de Carmelo Ameno. Abril de 2011.

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